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Há 4 anos, eu jamais pensaria em postar essa fotografia

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Alguns de vocês que acompanham o Farmale já devem conhecer a Jana Viscardi, produtora de conteúdo no canal de mesmo nome no Youtube. Ela descobriu a doença de Crohn em 2009, quando escrevia a sua tese de doutorado e de lá pra cá, foram 3 internações, 2 cirurgias e uma bolsa de colostomia provisória com a qual conviveu por 9 meses. Já deu para sentir que ela tem muito o que compartilhar sobre essa jornada de paciente e ela coloca muita emoção nas palavras quando fala sobre a doença de Crohn. Adoro muito o canal dela no Youtube, que você também pode acompanhar nesse link: https://www.youtube.com/janaviscardi.
No dia 25 de maio, nosso maio roxo, eu estava pelo Facebook e dei de cara com esse depoimento dela que me tocou muito… lembrei de muitas coisas que passei e o quanto essa nossa jornada com a doença é dura mas principalmente um sobe e desce cheio de surpresas boas (sim, acontecem muitas coisas boas também) e ruins, medos e incertezas que nos fazem ser resilientes e grandes guerreiros. Conversei com a Jana e ela gentilmente permitiu que eu compartilhasse aqui no Farmale para vocês.
“Essa sou eu tomando minha dose bimestral de uma medicação imunossupressora. Há 9 anos eu vivo com doença de Crohn e faço esse procedimento a cada dois meses. De lá para cá foram três internações, duas mais severas, uma mais tranquila. Foram, ao todo, 58 dias cuidada por profissionais da saúde. No meio disso tudo, duas cirurgias.
Mas esses são apenas os grandes eventos, os episódios marcados da minha história. No entanto, para que eu chegasse na minha primeira internação, por exemplo, passaram-se seis meses de dor, choro, incertezas, inseguranças, frustração. Eu ainda não sabia ao certo o que eu tinha.Todos os dias desses seis primeiros meses de convívio com o Crohn eu ia ao menos sete vezes ao banheiro por dia. Eu morria de vergonha. E seguia trabalhando “normalmente”. No laboratório, eu tentava me manter silenciosa no banheiro para que não percebessem que era eu que estava lá de novo. Após a primeira internação, em julho de 2009, eu cheguei a ir cerca de 25 vezes por dia ao banheiro. No entanto, eu não consigo me lembrar de todos esses dias, eu me lembro dessas datas marcantes, como se eu fosse a personagem de um livro de historia, que não vive processos, mas episódios isolados conectados por grandes fatos.
E um dos grandes fatos da minha trajetoria foi quando meu orientador alemão, um mês após me ver de volta ao laboratório de pesquisa, me perguntou, em frente a outro professor importante que eu sequer conhecia, se eu estava melhor. MELHOR. Depois de dez meses do início dos meus sintomas aparentes, que incluíram um período de 40 dias de ausência do laboratório em função da minha internação, aquela tinha sido a primeira vez que ele fazia qualquer menção ao que me tinha ocorrido e que era de pleno conhecimento de todos os meus colegas. Dias depois, durante minha apresentação de pesquisa, um ensaio do meu retorno ao trabalho, eu fui completamente destruída na frente dos meus colegas, pelo meu orientador, porque meu trabalho não estava bom. Estava, de acordo com a opinião dele, uma bela merda. Nesse momento, fazia 2 meses que eu tinha saído do hospital, eu ainda tomava altas doses de corticóide e outras medicações e monitorava a regressão do quadro da minha enfermidade. Eu tinha feito uma pausa confusa, porque tentei trabalhar na pesquisa até o dia que fui internada. E voltei a estudar logo depois de deixar o hospital.

E sabe por que eu conto isso a você agora? Porque estamos no mês do maio roxo. Sábado, dia 19 de maio, foi o dia mundial de conscientização sobre as doenças inflamatorias intestinais (DII). E quando se fala dessas doenças (como em qualquer outra construção de narrativa), a gente costuma falar dos grandes eventos – a cirurgia, a internação, aquele dia da dor lancinante. Mas a gente não costuma falar sobre os silenciamentos cotidianos, as pausas necessárias para o cuidado com nossos corpos.

Um exemplo: há 4 anos, eu jamais pensaria em postar essa fotografia. Eu sequer diria no ambiente de trabalho que eu vivia com Crohn. Depois de um ou dois anos trabalhando é que eu disse a alguns colegas, os que eu confiava fortemente, meio de canto, que eu fazia um tratamento para uma doença autoimune. Bem silenciosamente, eu vivia com Crohn no trabalho. Porque o sistema na qual todos nós operamos e que nos lança ao trabalho, nos lança a projetos, nos lança a novas ideias, esse sistema de produção não admite falhas. Não admite pausas. Não há de haver hiatos. E viver com uma doença autoimune é viver, de alguma maneira, na falha do corpo.
Veja o exemplo de quando apresentei meu trabalho de pesquisa na Alemanha. Naquele dia, eu sentei e chorei, chorei. Porque eu me sentia inútil – e num corpo inadequado para aquele espaço produtivo, inadequação supostamente expressa também no meu intelecto, na construção das minhas ideias.
Nesse nosso sistema produtivo, nenhum tipo de empregador quer a falha, ou a pausa, ou a ausência. Nem mesmo nas suas ferias. Ele quer que você esteja por ele 150%, ele quer que você demonstre sua força. Mas você, que vive com uma doença crônica, pode não ter essa força para demonstrar durante um período da sua vida, porque seu corpo precisa dessa força para se reinventar, para se reconfigurar, para sofrer. Mesmo que sejam quatro horas em um hospital para tomar uma medicação. Eu mesma me lembro de levar o computador para o hospital para “mostrar serviço”, não queria que achassem que era uma desculpa minha. Eu precisava me mostrar produtiva.
Faço aqui um paralelo (bem de leve, claro) com os “hiatos produtivos” das mulheres que optam por ter filhos: eu li um estudo que apontava que o “problema” da carreira de uma mulher que tinha um percurso muito próximo ao de um homem estava no nascimento de um filho. Era o exato instante em que, em um sistema bem equiparado de formação entre homens e muheres, a mulher vivia um “declínio” da sua carreira. O “problema” era o cuidado que as mulheres acabavam por dedicar mais à criança. E no mundo em que são as mulheres que orquestram essa agenda do cuidado, esse é um tempo não produtivo para o modelo que vivemos. E aqueles que pensaram há muito muito tempo esse modelo excluíram a possibilidade de se pensar o cuidado, seja consigo, seja com o outro. E se você não se encaixa nesse modelo, você cai. Esse é um sistema pensado para um mundo sem falhas, que opera 24 horas por dia, sem “desvios”. Desvios, somente aqueles que, de alguma maneira, supostamente podem ser previstos.
Por isso, pelo estigma, pelo medo de ser entendida como preguiçosa, desinteressada, por medo de não ser contratada, eu silenciosamente vivi com Crohn por alguns anos. E essas minhas palavras não estão aqui por vitimização, ou mimimi, ou para que as pessoas me chamem de heroína, de mulher forte. Elas estão aqui para destacar outros pontos nas nossas historias, nas historias dos nossos corpos. Como eu, e vivendo outras tantas experiências, estão inúmeras pessoas que tem doenças inflamatórias intestinais (e tantas outras!), tentando se equilibrar num mundo em que interpretamos o cuidado como problema, a pausa como improdutividade, ao invés de questionarmos a lógica de que as pessoas precisam estar disponíveis, em detrimento da propria saúde ou do cuidado com entes queridos, para um trabalho requerido por não sei quem. Num mundo feito, historicamente, por homens e para homens, a quem não se requer o cuidado, há no imaginário apenas a eficiência ilusoria que jamais será alcançada, nem por homens, nem por mulheres.
Nesse mês do maio roxo, eu decidi falar do “pequeno”. Do dia a dia de quem se assusta com a chance de não ser chamado para um trabalho, de quem prefere manter em sigilo, como eu já fiz, as pausas necessárias para que a caminhada tenha continuidade. A você, que vive com uma DII, o meu abraço, o meu afeto. Que os silenciamentos possam ir se desfazendo, que as pessoas se sintam mais acolhidas, se sintam mais seguras de serem aquilo que são, com a cronicidade característica de seus dias.
Fonte do depoimento: Facebook Jana Viscardi

Sobre a Jana Viscardi: É produtora de conteúdo no canal de mesmo nome no Youtube. Doutora em Linguística pela UNICAMP, aproveita fatos do cotidiano para questionar a maneira como nos comunicamos e como levamos diferentes preconceitos adiante através da linguagem. Descobriu a doença de Crohn em 2009, quando escrevia a tese de doutorado. De lá pra cá, foram 3 internações, 2 cirurgias e uma bolsa de colostomia provisória com a qual conviveu por 9 meses.

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