Entidades de defesa do consumidor falam em retrocesso
Com 21 anos de vigência da Lei 9.956, que rege os contratos de saúde suplementar no País, e 19 anos de existência da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), responsável pela regulação do setor, será que chegou a hora de se fazer um novo marco regulatório no setor? Afinal, dos mais de 200 milhões de brasileiros, apenas 47,1 milhões têm acesso à saúde suplementar. Ou seja, é preciso encontrar uma forma de inserir mais pessoas em planos de saúde, o terceiro maior sonho de consumo do brasileiro, atrás apenas da casa própria e educação.
O tema tem tanta importância que faz parte, inclusive, da agenda regulatória que vai de 2019 a 2021 da ANS
Através de encontros com diversos setores da sociedade, como órgãos de defesa do consumidor, prestadores de serviços, operadoras de planos de saúde e suas entidades representativas, a agência tem recebido contribuições dos participantes sobre os temas discutidos nos encontros, sempre visando o aprimoramento da Agenda Regulatória.
“Uma discussão importante e necessária é o acesso aos planos de saúde. A Agência completa 20 anos em 2020, e o que precisamos definir é qual será o modelo de saúde suplementar sustentável para os próximos 20 anos”, afirma o diretor de Normas e Habilitações da ANS, Rogério Scarabel.
Um desses encontros aconteceu no fim do mês passado, em Brasília. Organizado pela Federação Nacional da Saúde, o 5° Fórum Fenasaúde apresentou sugestões para atualizar as normas que regem o setor, assim como debateu formas para ampliar o acesso da população aos planos de saúde. “A legislação em vigor trouxe benefícios, mas depois de 20 anos, precisa de aprimoramentos”, revelou a diretora executiva da federação, Vera valente. Por isso, durante o evento, foi apresentada a agenda Mais Saúde, um conjunto de propostas que segundo a entidade podem facilitar esse acesso ao sistema suplementar.
Entre as principais sugestões:
– A volta da oferta dos planos individuais;
– A modulação de coberturas, com mais produtos para os beneficiários;
– O incentivo à atenção primária;
– O combate às fraudes e desperdícios;
– O maior rigor na incorporação de novas tecnologias e a adoção de novas formas de remuneração de prestadores baseadas na geração de valor para o paciente.
Sobre a volta da comercialização do plano individual, indisponível nas “prateleira” das operadoras há pouco mais de dez anos, o presidente da Fenasaúde, João Alceu Amoroso Lima admite que esse retorno só será possível se a ANS deixe de regular os reajustes. “A regra vigente inviabiliza a venda desse tipo de plano, visto que seu aumento é muito inferior ao custo da saúde”, explica o presidente da Fenasaúde, João Alceu. De acordo com o diretor de Normas e Habilitações da ANS, a agência experimentou neste ano uma mudança significativa na forma de calcular o teto permitido para o aumento.“Foi aplicada agora e o papel é analisar e ver se o impacto se confirma”, comenta Rogério Scarabel.
Outro ponto bastante debatido no encontro foi a modulação da cobertura
Atualmente, existem cinco tipos – os planos ambulatoriais, odontológicos, hospitalar com e sem obstetrícia e referência. De acordo com a Fenasaúde, por conta do rol mínimo de cobertura da ANS, a possibilidade de segmentar não é possível. Então, a ideia seria conseguir autorização para ofertar outros tipos de modulações de acordo com a necessidade e o bolso do paciente. “Saúde suplementar é um mercado como os demais: quanto maior a possibilidade de escolhas, melhor para o consumidor. Por esta razão, entendemos que aperfeiçoamentos legais e regulatórios que avançam na modulação de produtos serão muito positivos tanto para as empresas quanto para os usuários”, afirma a federação. “A agência trabalha com aprimoramento de suas normas. Se em uma discussão for decidido que para ampliar o acesso da população ao sistema suplementar tenha que se reduzir a regulação, não vejo problema em discutir e avançar. Hoje, contudo, essa possibilidade não existe”, afirma Scarabel.
O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, não acredita que retirar cobertura seja o caminho para que mais pessoas tenham um plano.
“Se retirar, voltamos uma situação que já vimos no passado. Um exemplo disso é o plano ambulatorial, que não cobre internação hospitalar. Ele é previsto em lei e está lá no rol. Por que que ninguém comercializa plano ambulatorial? Porque é impossível de se fazer a gestão do risco. Então, por que não ter ambulatorial com urgência e ambulatorial sem cobertura de urgência? Esse tipo de sugestão a gente pode fazer e pode sim ser viável”, ressalta o ministro.
Entidades de defesa do consumidor condenam sugestões
Um dia antes do 5° Fórum da Fenasaúde, em Brasília, o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) junto com 25 entidades de proteção do direito de consumo, entidades médicas e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) lançaram uma carta protesto contra as propostas que seriam apresentadas pelas operadoras de saúde durante o evento. De acordo com a entidade, a tentativa de liberar a venda de planos segmentados, por exemplo, têm como finalidade desfigurar a atual lei da planos de saúde, que fixa garantias mínimas de atendimentos aos consumidores.
“Mais uma vez as operadoras de planos de saúde propõem reduzir proteções e direitos que os consumidores conquistaram há mais de 20 anos. A articulação é nova, mas as propostas são velhas. São os mesmos modelos que tentaram emplacar em 2017 e não conseguiram”, alertou a diretora executiva do Idec, Teresa Liporace.
Segundo o Idec, os planos querem impor uma nova lei cujo ponto central é uma proposta radical: liberar a venda de planos de menor cobertura, segmentados, os chamados “planos pay-per-view”, “modulares” ou “customizados”, que deixam de fora os atendimentos mais caros e doenças frequentes como câncer, problemas cardíacos e tantos outros. “Os retrocessos vão da diminuição de coberturas, liberação de reajustes de mensalidades e maiores prazos para atendimento, passam pelo fim do ressarcimento ao SUS, redução de multas e desonerações tributárias, até o enquadramento de prestadores e a desidratação da ANS”, afirma o instituto.
Segundo o advogado e diretor de relações institucionais do Idec, Igor Britto, a base de contrato de plano de saúde é de seguro, ou seja, parte do pressuposto de que a pessoa não tem como prever o seu futuro e que por isso, ela contrata, paga e pode ficar muito tempo sem usar, mas no momento em que precisar, ter a cobertura. “Restringir isso, determinar o que o que o consumidor vai pode ter de cobertura ou determinar quais doenças serão cobertas é simplesmente entregar dinheiro para as operadoras sem ter a menor garantia de que vai utilizar. Esse tipo de contrato faz com que o risco do contrato seja única e exclusivamente de uma pessoa – do consumidor, que vai pagar mensalidade e às vezes nunca vai usar porque ninguém consegue saber quando vai ficar doente e qual doença vai ter e o tratamento que vai precisar”, explica o especialista.
Fonte: Folha Pe