Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – Pequenas vesículas liberadas na corrente sanguínea por células-tronco adiposas estão sendo testadas por pesquisadores da Université Paris Diderot, na França, como um sistema biológico terapêutico.
No projeto, o grupo liderado pela cientista franco-brasileira Amanda Andriola Silva Brun e pelo médico Gabriel Rahmi avaliou a eficácia do método no tratamento de fístula digestiva – patologia caracterizada pela comunicação anormal entre os epitélios que conectam dois órgãos do trato digestivo ou que conectam uma das vísceras e a pele.
O problema afeta em torno de 1,5 milhão de pacientes em toda a Europa e é de difícil tratamento. A maior parte dos casos é resultante de trauma cirúrgico, mas as fístulas também podem surgir como consequência de um câncer ou da doença de Crohn, caracterizada por uma inflamação crônica no trato gastrointestinal.
Em uma condição fisiológica, as vesículas extracelulares secretadas pelas células-tronco – também conhecidas como exossomas – são responsáveis pelo transporte de DNA, RNA, lipídios e proteínas entre as células, permitindo a comunicação entre tecidos.
O grupo desenvolveu um método, já patenteado, para forçar a célula-tronco a produzir em cultura as vesículas extracelulares a uma velocidade 10 vezes maior que a normal e em quantidade 10 vezes superior. Por meio de colaboração com pesquisadores brasileiros tem sido investigada a biodistribuição das vesículas em modelos animais.
As vesículas obtidas no laboratório são misturadas a um gel sensível ao calor e, depois, injetadas diretamente no local da fístula.
“Conseguimos, desse modo, fechar 100% das fístulas digestivas. A combinação das vesículas com um biomaterial por gel termicamente sensível permite que a administração a frio em seu estado líquido preencha o trajeto da fístula e retenha as vesículas no local”, disse Brun.
A inovação foi testada em porcos para o tratamento de fístulas digestivas de esôfago. O estudo foi publicado na revista ACS Nano.
Segundo a pesquisadora, foi aprovado na Europa em 2018 um tratamento de alto custo para fístula perineal à base de células-tronco mesenquimais, que se mostrou eficaz em 51% dos pacientes.
“A vantagem das nanovesículas extracelulares é que elas não são células e, portanto, não se dividem e nem se diferenciam. Consequentemente, o risco de formar um tumor após a injeção do material é muito menor”, disse.
Os pesquisadores pretendem ainda avaliar os efeitos das vesículas extracelulares em um modelo de fístula perineal relacionada com a doença de Crohn. Outro objetivo do grupo é iniciar ensaios clínicos. O projeto de pesquisa foi aprovado este ano para receber o apoio do European Research Council.
“Uma forte colaboração foi estabelecida com as equipes dos professores Carlos Buchpiguel e Roger Chammas, ambos da Universidade de São Paulo [USP]. Um estudo clínico sobre o efeito terapêutico do gel está sendo preparado em Natal [RN]. Participam também da colaboração os professores Irami Araújo Filho, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e Amália Rego [Liga contra o Câncer]”, disse.
Bioinformática
Brun apresentou os resultados de sua pesquisa em Paris, no fim de 2019, durante o simpósio internacional FAPESP Week France. No mesmo evento, Catherine Etchebest, pesquisadora da Université de Paris, mostrou resultados de um estudo que investigou os mecanismos que governam funções importantes das proteínas de membrana nos glóbulos vermelhos. A pesquisadora tem desenvolvido ferramentas de bioinformática para predizer a estrutura molecular dessas proteínas.
Etchebest tem realizado estudos em colaboração com o pesquisador brasileiro Fernando Barroso Silva, da USP em Ribeirão Preto, desde 2015.
“Nossa colaboração começou pelo interesse em comum nas propriedades funcionais de uma proteína simples, responsável pelo transporte de água nos glóbulos vermelhos. Ao longo da pesquisa, porém, descobrimos não ser tão simples assim”, disse.
A pesquisadora ressaltou que as proteínas de membrana dos glóbulos vermelhos desempenham papéis importantes em processos biológicos variados, como sinalização e transporte, além de estarem envolvidas no surgimento de muitas doenças e de serem importantes alvos para drogas.
“O entendimento de suas propriedades funcionais pode ser facilitado se uma estrutura 3D estiver disponível. No entanto, no caso de proteínas de membrana, apenas algumas estruturas 3D foram resolvidas até o momento. As abordagens de bioinformática e modelagem molecular são, portanto, alternativas poderosas para preencher essa lacuna. Com isso venho desenvolvendo no meu laboratório uma base de dados com informações sobre essas proteínas”, disse.
Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.