A importância de não exagerar na compra de alimentos, medicamentos e máscaras em tempos de coronavírus
Diferentemente daquilo que o capitalismo costuma nos fazer pensar, nosso caráter não é definido pelo que compramos, mas sim pelo que deixamos de comprar. E, em um momento de pandemia global e esforço pelo controle de um vírus que se espalha em velocidade assombrosa, mais ainda: essa é a hora em que tudo aquilo que aprendemos sobre empatia, fraternidade e sororidade, igualdade e generosidade deve ser posto em prática de forma radical.
A maneira como consumimos diante do coronavírus pode ser também um diferencial para a saúde e o futuro das pessoas, assim como para melhor contornarmos o quadro global, e não deixarmos agravar em demasiado o quadro local.
A situação da água no Rio de Janeiro é um ótimo exemplo, que começou antes da chegada do coronavírus – e sobre o que, a propósito, não mais se falou desde que a doença apareceu, deixando os cariocas ressabiados em situação duplamente apocalíptica: com a água suja e de odor assustador saindo das torneiras, é natural que a população carioca comprasse e até mesmo estocasse garrafas de água mineral. Mas compras imensas em quantidades desnecessárias fizeram com que o preço da água subisse nos mercados e rapidamente as garrafas desapareceram, deixando muita gente sem acesso imediato ao item vital.
Organização, controle, racionamento e espírito coletivo são funcionais e melhores para que a população da cidade atravesse esse momento de abandono criminoso pelas autoridades.
No contexto do coronavírus essa dinâmica se torna ainda mais importante: equipamentos como máscaras, luvas, óculos de proteção e respiradores já começaram a sumir do mercado, em demanda maior do que a produção é capaz – fazendo não só os preços subirem como impedindo que esses equipamentos cheguem a quem de fato precisa deles.
Pois o uso das máscaras, por exemplo, não impede a contaminação de quem não tem o vírus, mas de fato funciona para quem já foi infectado não transmiti-lo. Da mesma forma, é fundamental o uso de protetores para profissionais da saúde, que não podem ter o acesso aos equipamentos reduzido pela compra desenfreada e inútil. Quem está na linha de frente do combate à doença deve estar devida e totalmente protegido.
Na França, por exemplo, o presidente Emmanuel Macron anunciou o confisco do estoque de alguns produtos, para que possam ser distribuídos aos profissionais devidos e às pessoas já atingidas pelo coronavírus.
“A escassez está deixando médicos, enfermeiros e outros trabalhadores de saúde perigosamente mal equipados para cuidar de pacientes com Covid-19, devido ao acesso limitado a suprimentos, como luvas, máscaras médicas, respiradores, óculos de proteção, escudos, camisolas e aventais, afirmou Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor da Organização Mundial de Saúde.“
“Estamos preocupados com o fato de a capacidade de resposta dos países estar sendo comprometida pela grave e crescente interrupção no fornecimento global de equipamentos de proteção individual – causada pelo aumento da demanda, acumulação e uso indevido”, ele disse.
Sobre os remédios a questão é igualmente grave: estocar medicamentos sem necessidade, além de tirar de quem está efetivamente doente, faz os preços aumentarem, criando assim um desequilíbrio que prejudica os mais pobres e os mais necessitados. Vale lembrar que, por mais que não falemos de outro assunto, o coronavírus não é a única doença que existe, e outras pessoas também precisem de remédios diversos.
O mesmo vale para o álcool gel: lavar as mãos com sabão por 20 segundos já é eficaz para combater a contaminação, e o sumiço do álcool gel das prateleiras não só aumenta o preço como retira dos que realmente precisam essa alternativa higiênica.
E o efeito direto é sentido em todo produto vital esticado no momento: prejudicar justamente os que mais precisam de ajuda, com tudo para os ricos e nada para os pobres. Comprar comida em excesso, por exemplo, faz com que o preço dos alimentos suba em demasiado, afetando diretamente as populações com menos dinheiro. É possível que algumas famílias já possuam em casa, perdido no fundo dos congeladores, gavetas e prateleiras de geladeiras e armários, alimentos para uma ou duas semanas sem precisar ir às compras. No mais, calcular os suprimentos, comprar os alimentos certos – que não estraguem rapidamente, que tenham valor nutricional – e repensar o cotidiano será o caminho para que saiamos melhor dessa situação – que é necessariamente coletiva.
Trata-se, portanto, de questão de solidariedade, pois o vírus afeta a todos, mesmo que alguns, como idosos e doentes, sejam grupos de maior risco. No mais, todos temos pessoas mais velhas ou adoecidas na família ou no coração – e cuidar de si e pensar no todo é uma maneira de cuidar também das pessoas que amamos. É hora de ficar em casa, de não se expor e de pensar no coletivo – para que, mais cedo e com o menor número de fatalidades possível, possamos em breve nos abraçarmos de volta para comemorar.
Fonte: Hypeness